Em seu diálogo Fédon, o Divino Platão estabelece uma distinção entre os seres inteligíveis e os seres sensíveis, aparentando a alma (psykhḗ) aos primeiros e o corpo (sôma) aos segundos (Fédon 80b). Essa distinção reaparece no Timeu, no qual Platão se refere aos primeiros como “aquilo que é sempre” e aos segundos como “aquilo que devém". Entretanto, esse diálogo apresenta uma visão um pouco distinta em relação à alma ao afirmar que ela ocupa um estado intermediário entre o que é sempre e o que devém (Timeu 52a). De fato, Platão argumenta, no décimo livro de sua República, que a alma seja capaz de sofrer mudanças embora seja indestrutível. Ao localizar a alma como princípio intermediário entre o inteligível e o sensível, o sábio consegue evitar a afirmação de um salto ontológico em seu sistema.
Tanto no Fedro, quanto no décimo livro de suas Leis, o filósofo procura, então, definir a alma como aquilo que move a si mesmo, enquanto o corpo seria aquilo que é movido por outro. Embora geralmente se acredite que Aristóteles tenha refutado essa noção ao argumentar que o princípio de todo movimento deve ser aquilo que não se move, é necessário se lembrar do fato de que o seu Motor Imóvel “move como o que é amado” (Metafísica 1072b). Nesse sentido, o filósofo admite, no terceiro livro de seu tratado Sobre a Alma, que “o animal é capaz de mover-se a si mesmo em virtude de ser capaz de desejar”. Retornamos nesse ponto ao Fédon, no qual Platão argumenta a favor da imortalidade da alma afirmando que ela é a fonte da participação do corpo na “Ideia da Vida", “Zōēs eîdos” (Fédon 106d). O fragmento 53 dos Oráculos Caldeus concorda com essa doutrina ao declarar que “depois dos pensamentos paternos, eu – a alma – estou posicionada, animando com meu calor a todas as coisas”.
Se no Timeu (41d) é dito que o Demiurgo misturou os elementos da alma em uma “Kraterā́", “Recipiente”, devemos identificar esta com o flanco direito de Hécate, descrito no fragmento 51 dos Oráculos Caldeus como “cavernoso e oco, sementes da fonte da alma primordialmente-gerada muito abundantemente jorram para fora no ar, animando luz, fogo, éter e mundos”. Considerando a identificação que ocorre entre Hécate e Selene no PGM IV. 2785–2890, devemos afirmar que a lua, a bela amante da luz solar, seja a imagem sensível da Kraterā́ divina, se enchendo da Luz divina e, então, se esvaziando ao derramar as almas sobre o mundo.
Como dito no segundo livro da República, “o bem não terá causa diferente; porém os males, qualquer outra, com exclusão da Divindade”, o que leva o sábio a concluir, ao discursar sobre a Alma do Mundo no décimo livro das Leis, que há “não menos de duas, a alma benevolente e aquela que é capaz de produzir efeitos do tipo oposto”. Logo em seguida, é dito que a alma boa está “associada à Razão (Noûs)", enquanto a alma má é desprovida de Noûs. Daí que o sábio autor do Epinomis afirme que “o número é a causa de todos os bens, não o sendo de nenhum mal. Mas todo movimento que pode ser classificado como irracional, desordenado, disforme, privado de ritmo e harmonia, carece inteiramente do número, tal como tudo que participa de qualquer mal”. É essa a raiz da distinção que os antigos teurgos fizeram entre agathodaímones, os “bons espíritos", e kakodaímones, os “maus espíritos", como Jâmblico testemunha no sétimo capítulo do quarto livro de Sobre os Mistérios. Os agathodaímones participam de forma invariável no Noûs, enquanto os kakodaímones jamais participam. Enquanto isso, as almas humanas possuem uma participação variável no Noûs, de modo que Platão declare, no Fedro, que a alma humana é “uma atrelagem puxada por dois cavalos, sendo um belo e bom, de boa raça, e sendo o outro precisamente o contrário”, o que corresponde à distinção feita no Timeu entre as partes divina e mortal da alma. Daí que o inspirado Hesíodo diga, em seu poema Os Trabalhos e os Dias, que os homens nobres do passado tenham se tornado daímones.
Juntos, o Fedro e o décimo livro das Leis parecem apontar que Platão teria identificado os deuses com os corpos celestes e com as almas divinas nas quais estes participam. Entretanto, devemos nos lembrar da distinção feita no Timeu entre os “deuses visíveis e engendrados” e os “deuses eternos”. De fato, é dito no décimo primeiro livro das Leis que “As antigas leis, de caráter universal, relativas aos deuses são de dois tipos: alguns dos deuses que nós honramos nós os vemos claramente, mas quanto a outros nós erigimos para eles estátuas e acreditamos que, quando as veneramos, mesmo sabendo que não têm vida, os deuses vivos que estão além experimentarão grande boa vontade e gratidão em relação a nós”. Os “deuses eternos” aos quais o Timeu se refere correspondem àquilo que o fragmento 81 do Oráculos Caldeus descreve quando diz que “todas as coisas submetem-se aos Furacões-com-raios intelectuais do Fogo intelectual, servindo à vontade persuasiva do Pai”. Como “representação dos deuses eternos" (Timeu 37c), todo corpo celeste se torna divino por participar em uma alma que, por sua vez, participa em um dos deuses eternos. Daí que seja dito no Fedro (247b–247e) que os deuses celestes recebam o seu alimento do “Hyperouránion tópon", a “Região Supra-Celeste", a qual corresponde ao “Noētós tópos”, o “Mundo Inteligível” descrito no sexto livro da República. É esse também o motivo pelo qual o Hino Homérico a Hélios se refira ao deus como “semelho na forma aos eternos”.
Como conclusão, observamos o fato de que a visão platônica da alma como auto-movente ressoa perfeitamente com a visão da alma como fonte de movimento que Aristóteles, no tratado Sobre a Alma, atribuí a Tales de Mileto. Daí que seja declarado no décimo livro das Leis que “tudo está cheio de deuses", frase que Aristóteles atribuí a Tales.